Em aproximadamente 1983, uma jovem resolve “passar um trote” para a família de uma moça da qual ela tinha uma certa rixa. Ao atender o telefone, quem atende é o irmão desta menina. A jovem afirma ser funcionária de uma estação de rádio, cantarola uma música e pergunta qual era o nome da música. O jovem responde corretamente e a jovem, que passou trote, afirma que ele ganhará um prêmio por ter acertado a música. Ao desligar o telefone, a jovem, com peso na consciência, resolve ligar novamente para o jovem, explica o que acabara de acontecer e pede desculpas. Eles passam a conversar rotineiramente através de telefone. O que eles não sabiam era que em questão de um ano eles começariam a namorar, alguns anos depois se casariam, teriam um filho, depois uma filha e, por fim, uma terceira filha. Afinal, parece que não se tratava de um trote: ele realmente ganhou um prêmio, provavelmente o melhor da vida dele.
Eu sou a primeira filha mulher deste casal – nem primogênito e nem caçula, apenas “a filha do meio”. Acho uma grande injustiça não termos uma denominação digna, mas isso é assunto para outra hora. haha
Desde pequena eu sempre fui muito curiosa. Uma vez, durante a aula de balé, eu perguntei à professora por que a filha dela, que fazia aulas de balé na mesma turma que eu, se chamava “Linda”. A professora respondeu com um sorriso meio sem graça: “Ué, porque ela é linda… Você não concorda?”. Eu fiquei bastante confusa na época, porque lembro de ter pensado: “Certo, mas como você sabia que ela seria linda quando deu este nome a ela, já que ela havia acabado de nascer?”. Pelo bem da humanidade, esse pensamento ficou apenas na minha mente confusa, mas me recordo disso como se fosse ontem.
Enfim, com essa breve introdução, queria expor apenas uma noção básica de como eu funciono: uma inquietante mente curiosa.
Um pouco mais para frente: em 2020, durante a pandemia, comecei a indagar questões familiares da história do meu então namorado (hoje marido). Ele não sabia responder muitas coisas, então eu comecei a pesquisar por conta própria. Construí a árvore genealógica do meu marido e encontrei várias informações.
Depois, ao construir a minha árvore genealógica, notei que havia um antepassado direto italiano, que era o meu trisavô. Ele se chamava Braz Martorelli. Lembro-me de ter ouvido falar nele e nessa parte da família quando eu era menor, mas realmente eu me lembrava de pouquíssima coisa.
Em meados de 2000, uma tia já havia tentado buscar informações de Braz Martorelli: chegou a viajar para Pernambuco, estado em que Braz se estabeleceu, e passou a procurar presencialmente por informações do nosso antepassado. Ela foi aos cartórios locais, cemitérios e, finalmente, conseguiu coletar algumas pistas do italiano. Com muita persistência, ela conseguiu localizar a certidão de óbito do italiano. Mais tarde, ela chegou a visitar os descendentes do italiano na casa deles – ou seja, os primos dela. No entanto, por não ter conseguido localizar o restante da documentação, ela deixou o sonho de ser italiana de lado.
Foto: Braz Martorelli (Biase Martorella), o meu antepassado italiano.
Resolvi fazer pesquisas mais a fundo não somente acerca deste antepassado italiano, mas também de todas as outras linhagens da minha família.
Coletei informações da minha linhagem favorita: Barão de Tautphoeus. Como eu tenho orgulho de ser descendente desse homem! Um dos meus objetivos de vida é passar um tempo me dedicando exclusivamente à biografia do barão… um dia, quem sabe, quando eu tiver um pouco mais de tempo. Mas isso é assunto para outra hora – ou outro post.
Pesquisa vai, pesquisa vem, eis que surge na minha cabeça a ideia de cidadania italiana – afinal, eu tinha um antepassado italiano. Como é que “isso funciona”? Eu achava que por ser um antepassado muito distante – ele nasceu em 1859 – eu certamente já não teria direito a nada que fosse relacionado a ele. É assim mais ou menos que “funciona” a cidadania portuguesa: limite de geração até o neto. Pois bem, a minha avó, neta do italiano, já havia falecido antes mesmo de eu nascer.
No entanto, ao me adentrar neste assunto, descubro que na cidadania italiana não há limite de geração e, portanto, eu teria direito à cidadania italiana, sim, mas que no meu caso teria que ser pela via materna judicial. Quando eu li a palavra judicial já me deu um enorme desânimo, porque eu pensava que haveria uma chance ínfima de eu conseguir, não fazia ideia de como isso funcionava. Eu pensei que a maneira correta e mais assertiva de ter a cidadania italiana seria apenas pelo consulado e que qualquer outra forma sem ser essa seria muito “arriscada”. Eu quase desisti.
Entretanto, um primo distante, também descendente do Braz Martorelli, já havia conseguido a cidadania italiana – e o tão sonhado passaporte italiano. Ele também era um descendente distante e me encorajou a buscara a cidadania italiana, me passando segurança e leveza em relação ao processo, ainda que pela via judicial – que, ironicamente, hoje em dia é a minha forma de reconhecimento preferida e, na minha opinião, a forma mais segura e assertiva de se obter a cidadania italiana. Mas, novamente, isso é assunto para outra hora post.
Ao perceber que era bastante provável eu conseguir, de fato, ter a cidadania italiana, conversei com os meus familiares e indaguei-os se eles estariam interessados. De início, poucos acreditaram que isso seria possível, até porque ainda faltavam alguns documentos serem localizados. E é justamente aqui que a minha trajetória como pesquisadora genealógica começa.
Para dar entrada no processo de cidadania italiana, alguns documentos são obrigatórios. Por exemplo, não somente o atto di nascita do italiano (ou seja, certidão de nascimento do italiano), como também a certidão de casamento dele, a certidão de nascimento e casamento dos descendentes dele etc. Lembro que no começo eu não tinha conhecimento de absolutamente nada dessa área: não sabia distinguir certidão breve relato de certidão em inteiro teor, não sabia como procurar e nem como emitir as certidões, não sabia sequer que era possível localizar os registros, não sabia o que era apostilamento, não sabia qual era a documentação necessária etc.
Sendo assim, preferi focar a minha atenção na parte de localizar onde estavam os documentos faltantes, visto que eles eram essenciais, e depois eu analisaria como dar prosseguimento no restante das etapas.
Nesse meio-tempo, descobri que uma prima do meu pai não somente já havia localizado todos os registros, como também já havia protocolado o processo dela na Itália para a obtenção da cidadania italiana dela. Sendo assim, entrei em contato com ela para perguntar se ela poderia me repassar as certidões e que, lógico, poderíamos efetuar pagamentos referentes aos custos e que ela nos informasse o valor. Ela me ignorou. A minha tia, então, resolveu pedir para ela. Ela respondeu que “os documentos estão guardados nas caixas” e que ela “verificaria assim que tivesse tempo”. Eu achei estranho, pois na maioria das vezes todos os documentos são digitalizados, até por uma questão de o advogado italiano fazer a análise da documentação e dar o “ok” antes que as certidões sejam enviadas por correio para a Itália. Com o passar do tempo, a dita prima foi sempre dando desculpas, dizendo que “ajudaria, mas não agora”.
Sendo assim, como não pudemos contar com a ajuda dela, eu resolvi por conta própria pesquisar todos os registros que estavam faltando. Afinal, se ela conseguiu localizar os registros, certamente eu também conseguiria – e foi aí que a minha busca pelos registros começou.
Após alguns perrengues, muitas noites em claro, muito aprendizado e conhecimento sobre pesquisas, revirar centenas páginas de livros, enviar dezenas de e-mails para cartórios – por fim, após muitas pesquisas, eis que eu consegui localizar todos os registros necessários para dar entrada no processo. Levei alguns meses para localizar tudo, o que é um pouco irônico, visto que a prima do meu pai diz ter levado 8 anos para localizar todos os documentos.
Mas não parei por aí: mesmo sendo responsável por coletar todos os documentos e montagem da pasta da minha família para dar entrada no processo, continuei fazendo pesquisas genealógicas da minha família – por pura curiosidade. Foi quando eu me vi apaixonada por genealogia e pela história da minha família.
Ao notar a minha paixão por pesquisas genealógicas, um primo distante, que já trabalhava com dupla cidadania, passou a me oferecer pesquisas de registros que ele não conseguia localizar. Encontrei um, dois, três registros… Quando me dei conta, vi que estava começando a ficar experiente no assunto.
Resolvi, então, expandir a minha rede profissional e me apresentei para outras empresas e assessorias focadas em dupla cidadania.
Em questão de 6 meses, passei a ser parceira do time de Genealogia de duas das maiores empresas de dupla cidadania do país, fora os clientes que me contactavam no particular.
No começo, lembro que eu considerava as pesquisas desafios muito mais difíceis, pois eu ainda era uma pesquisadora amadora e com poucos conhecimentos técnicos e ferramentas limitadas. Eu passava dias para finalizar uma pesquisa que hoje eu concluiria em questão de horas.
Busquei por mais: realizei cursos de Genealogia, expandi ainda mais o meu networking e a minha lista de parceiros aumentou e, hoje, sou parceira de grandes e pequenas empresas também. Desde então, foram mais de 478 pesquisas realizadas, incluindo registros brasileiros, portugueses e italianos.
Em 2024, quando passei um mês no Brasil, tive a honra de dar um curso de Pesquisa Genealógica para o time de Genealogia de uma das maiores empresas brasileiras de Dupla Cidadania. Neste curso, abordei temas de extrema relevância na investigação genealógica, tais como: homônimos, etapas da árvore genealógica, as variações de sobrenomes, dificuldades e empecilhos, bem como as soluções etc. Foi realmente uma honra ver uma sala totalmente equipada e com várias pessoas da empresa com rostos tão interessados e imersos no assunto, um momento que eu consegui enxergar o quão longe eu já cheguei.
Claro, não me faltaram muita dedicação e esforço, mas posso dizer com orgulho que o meu trabalho é um dos maiores responsáveis pela alegria de centenas de luso-brasileiros e ítalo-brasileiros a conquistarem a tão sonhada dupla cidadania e, consequentemente, o passaporte europeu.
Hoje, eu tenho muito a agradecer, mas também muito a sonhar e a fazer acontecer.
Por fim, eu agradeço a todos os clientes que depositaram sua confiança no meu trabalho, não apenas pelo crescimento profissional, mas também por ter acreditado no meu serviço. Sem vocês, nada disso seria possível.
Agradeço, acima de tudo, aos dois jovens que um dia passaram trote um para o outro e que me ensinaram da forma mais completa possível tudo aquilo que eu entendo por amor.